terça-feira, 27 de abril de 2010

Pipas e Papagaios

Não me deixe te esquecer!
As mexericas já estão maduras
Deixando os seus suaves sumos pelos ares
e quando vê
já é outra estação.



O céu azul de Abril
o vento fresco levando folhas
e as pipas correndo céus
com suas formas multicores.



Nunca aprendi fazer pipa:
É coisa de moleque, gritava o Brasa.
Mas fazia papagaios de rabos longos,
Maranhão, aquele sem rabo e com franjas!



Nas manhãs de céu limpo e vento
bem cedo eu preparava o carretel
subia o quintal de cima de casa
e lá ficava horas
viajando junto com as cores do infinito.



Amor devia ser assim,
coisa que a gente puxa pela linha,
distrai um pouco,
dá soquinho no carretel
pra ver a pipa dar cabeçada
e voltas longas no ar
até retomar o caminho
e trazê-lo de volta,
intacto.
Para o José Victor

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Evanescence

Enlevo, de Flora Figueiredo

Eu olho você grande e distante
E da sua grandeza me comovo
E da sua distancia me revolto
Olho de novo.
Procuro reter em minhas mãos sua figura
Mas ela gesticula, oscila e cresce
E numa inconstância distraída
No instante exato
Por trás da vida desaparece.
Um desacato.
Do meu desaponto eu me levanto
Pra levar embora outro desencanto
Mas você me divisa e então me chama

Aguarda, reclama e me convida
E minha vida nessa ansiedade por fim entrego.
E nesse amor feito de espuma colorida
Nós flutuamos: você borbulha, eu escorrego,
Ensaboados, você explode, eu me desintegro.
(Para o José victor, lá em fortaleza...)

Feriado Nacional


Neste dia molengo de Abril,
quase final
o calor fora de época
vem trazendo lembranças de tempos
que eu sofria por ser dia de Tiradentes.


Mal sabíamos que a história
é equívoco dos mais exaltados,
do lado de quem ganha uma guerra
ou perde injustiçado.


Assim,como todas as histórias
são frutos de boa criação,
de livros e filmes que assitimos, em vão
para calar a dor do que não somos.


E aprendemos que moças finas
são as de pele branca, cabelos ralos,
magras que sabem fazer bordados e as receitas da avó
sequilhos brancos com suave sabor de limão.


E o dia vai seguindo, seco,
uma ventania de folhas vem nesse meio do dia
fazer nossas mães correrem fechando as janelas
para não desfazer o trabalho do dia anterior.


Afinal, hoje é feriado.
Dia de ficar assim, pelo canto,
escutando assuntos
do primo que se foi, do avó,
dos amores que não foram.


E uma folha grande e seca
vai arrastando grosseiramente
seu som riscado e estridente pela rua
recordando que passamos mais uma estação
no sol amarelado,
descorado pelas nuvens
e pelo aguardar solitário
das mensagens que nunca chegam.


(escrita dia 21/04/2010, num começo de tarde enjoada, faltante...)



sexta-feira, 16 de abril de 2010

terça-feira, 13 de abril de 2010

Isso não é sonho, foi aula!

Hoje dei uma aula especial... especialíssima pra dizer a verdade. Falando de amor e relacionamentos.... O texto do Flávio Gikovate, o Amor é fogo do Camões... Daí a conversa virou outra, sexualidade para constatar a idade dos deuses e virou também larica (que aprendi com você o significado), maconha, cocaína...

Triste constatação, meus alunos conhecem muito mais as drogas do que imaginava e pude ver também que há um comércio meio disfarçado na sala, nas idas ao banheiro, nos encontros no intervalo, nos aviõezinhos esquálidos...
Falei sobre minhas experiências com eles e de meus amigos que foram levados por elas. Falei de você meu, caro amigo José Victor, que muitos já te conhecem pelo meu blog. Invasão à sua privacidade? Sinto muito! Mas é por uma boa razão...
A conversa foi surgindo, as tristezas sendo contadas, e os amigos mortos enumerados, um a um, somamos 12 que as drogas levaram... Todos “na flor da idade”- que me permitam aqui usar um lugar-comum – na idade dos deuses, aquela em que eles podem tudo e têm a juventude todinha a seu favor, a saúde, a alegria de viver que aos poucos foi se tornando melancolia... Não sei por que me tornei assim?... pergunta tardia...
Em minha cabeça, sonhei com Axel Rose em seu November Rain e com a nova canção pra mim, Bed of Roses, deixando meus cabelos voarem com o vento dentro de um carro em alta velocidade, sentindo emoções necessárias para qualquer garoto de 15... Por que isso não basta? Foi a minha pergunta a eles?
... sei lá, só para experimentar, viajar, sentir fora do corpo, ter experiências... Foram as respostas e, coladinhas a elas, um garoto branco, meio pálido, corpo malhado, jeito maneiro, esperto: “é o jeito dona da gente fazer a vida...”
E o pior é que alguns caem nessa para curtir a juventude, por mais uma experiência,para curtir uma música um ídolo, por companhia necessária, para se ver dentro de um grupo, ser aceito ou por revolta, para se sentir longe de suas mazelas diárias, para fugir do desamor...
E o papo foi nascendo cuidadoso e as palavras foram vindo uma-a-uma, reveladoras... Não esperava tanto. Nem esperava o ar sem graça de quem antes estava astuto, sobejando virulência, marotice, malandragem... Nesses olhos eu vi lágrimas escondidas, até que o rosto se dobra sobre os braços e sozinha, ela escuta minhas últimas palavras. O sinal deu para que eu fosse embora e me virei para a mais falante, Gabriele, que tinha confessado tudo diante da sala que usara drogas todas as sextas e já fazia uns meses que não tocava nelas...eu lhe respondi que se a encontrasse “daquele jeito”, ia lhe dar uma coça bem ardida, como mãe ignorante cuida de filho, mas que às vezes é necessária uma boa sova!
Saímos, entre todos os outros colegas, fui observando as faces brincalhonas, as outras suspeitas, as trocas de carinho e a Gabriele me dizendo que nunca, jamais faria isso de novo, por minha causa... “Por causa da Senhora, dona, nunca mais uso drogas na vida!” peguei as suas mãos, dei-lhe um beijo carinhoso e me senti rainha, salvadora...
No caminho de volta à casa, soube qual era a minha função – era o de estar ali, naquele momento e em muitos outros que surgirão!

(Essa vai de aviãozinho para Fortaleza!!!)

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Silêncio na manhã


Você não fala comigo
esconde-se!
Meu coração ainda florido
de tanto amor que te dediquei.
Mais um dia se foi
Nenhum significado guardado
nenhuma flor de fitas eu fiz
nem o café de sempre tomei
ando sentindo enjoos 
aguardando as madrugadas.

O sol vem vindo avermelhando o escuro da noite
e saio pra mais uma manhã
Olho a estrela azul!
Hoje o dia nasceu frio
As primeiras sombras em meio a neblina
Dizem um bom dia desanimado, tremido
O vapor dos corpos amanhecidos soltam-se
E não me esqueço de lembrar
de quando criança brincava de sair pelo quintal gelado
e gritava:
- Olha, estou fumando!
Minhas tias com suas coisas antiquadas
Chamavam;
- Corre pra dentro, pestinha!
Esqueceu que tem dores de gargantas terríveis?

O frio continuava assim cortante por dias.
Levantava-me cedo
Gostava de sentir os ventos gelados no corpo
 que quase não sentia a estação
Era forte, de corpo vigoroso, moreno
Pequena.
Corria ao galinheiro pra pegar ovos,
Espantava as galinhas
Que sopravam também seus vapores do gelo das manhãs.
O frio era um festa pra mim!

Hoje ele vem cortando
todas as manhãs dos dias que não vivo
sofro por um silêncio
e olho o céu de quase inverno
avermelhado, grave
No horizonte 
suas nuvens cinzentas enviando mensagens.

(Para o José Victor, que gosta de melancolia...)



domingo, 4 de abril de 2010

Conto I



 Semana Santa
Ela era apenas um objeto social da cultura. Era mulher, estatura baixa, corpo bem feito, rosto também. A expressão dos  olhos de um castanho imenso que aturdia o cunhado que logo lhe perguntava se era santa ou safada.
Obstinada, ela respondia, que é isso João Batista, e você nem me conhece, com aquele sorriso que a Deus dera em comunhão e ao crisma na mais tenra idade.
Mas João, ordinariamente, insistia em suas mazelas que a irritava. Mudava o caso, discutia política do país, o problema da fome e das águas.  Até mesmo a chuva daquele dia não a deixara em paz. Olhava o céu e gritava um lá-vem-chuva tão entusiasmada que Vanessa pedia um ovo branco para Santa Clara. O batuque ao fundo da casa  anunciava os festejos da Páscoa. Por aqui tem reza, muita vela e procissão, para os mais incautos, samba, molejo, dança de matuto e feira de badulaques, artesanato e muita cerveja e cachaça que é para assustar os vizinhos cruzando um Credo da cabeça ao peito.
A chuva caia silente, o céu escurecido não tirava a animação da casa e dos festejos até que receberam uma visita já encomendada pelo internet um dia antes. Chegara o outro João, que não era o Batista, apenas João. Seus olhos cruzaram em alegria que a mulher inerte e diminuída percebera no minuto o que tudo acontecia. Mas isso era amor velho, de infância, adolescência recolhida pela torturas sociais da época.
Ele vivera um amor calado, mudo, por muitos anos. Até que lhe dissera um dia através dos modernismos que avô chamava de coisa do diabo. Joaquim  Fernandes sempre disse que o rádio ia  acabar com o mundo, que era a desgraça do povo, que até guerra trazia de longe!
Mas se não fosse assim, esse amor teria ficado guardado na lembrança, no desencontro, nos anos idos.
A mulher, condescendente, andava pela casa olhando as antiguidades, admirada de ver tanta beleza conservada através do carinho dos moradores. Pegava os santos, os oratórios, os candelabros, cheirava as barras de sabão que a  prima de Lorena mistura em alquimia as flores e os aromas resinados que colhia nas manhãs de orvalho, antes do sol aparecer no alto da montanha que ficava ao fundo do casarão.
Os olhos perdidos entre tanta maravilha nas cores dos vitrais da casa chagava o coração da esposa dentro de um emaranhado de galhos secos de um velho Manacá florido.
A conversa do apenas João e Lorena ia longe, olhares complacentes, lascivos, marcavam um novo encontro para um junho próximo. Fumavam para disfarce, retiraram-se da casa.
Passados os dias da Semana Santa, chegado o domingo, todos partiram. Ela ficara ali com suas coisas, seu teclado, os dedos rápidos preparavam textos para as próximas aulas da semana. A última porta de carro bateu, um até mais, o último!
A tristeza buscou fundo o seu coração. E sozinha as primeiras lágrimas desceram. Procurou pelos amigos de plástico como ela sempre chamara suas amizades da internet. Nada! Nenhum, somente o Fábio andava perdido pela comunidade.
Sentou sozinha sobre a cama, chegou os joelhos até o peito, abaixou a cabeça e chorou o choro mais duro que já tivera. As lágrimas desciam secas pela garganta rasgando, queimando tudo por dentro. A sua vontade era ficar ali, parada, exatamente como um feto e quando suas lágrimas bastassem. Levantou, num gesto súbito, vestiu suas roupas de academia e saiu pela avenida, chorando rasgado suas lágrimas de solidão e dúvida.
Nem o filho viera desta vez, nem os outros sobrinhos que tanto ama, a outra rmã. Andava apressado para chegar na esquina do Bairro de que mais gostava na cidade. Era lá que esgotava suas dores em lágrimas e dizia que voltava renovada de suas tristezas mais profundas. Relutou tanto pelo caminho até chegar ao lugar para desaguar as últimas águas do verão que já havia ido há uma semana. Segurou tanto as lágrimas que ao chegar naquela esquina, riu tanto, tanto como se desdenhasse o companheiro na tentativa de um gozo que não acontecera. Olhou o céu mais uma vez, o sol acabava de declinar. Deu a volta pelo bairro e na volta,como sempre acontecia, já não tinha tanta vontade de chorar. Estava leve e solta. Pensou   nos olhos de João, na blusa Polo verde do último encontro, no sempre a mesma cor e nos mesmos gestos tímidos do adolescente que ainda guarda dos anos que se foram.
Pensou no filho longe, na semana que viria cheia, veio andando pela avenida , fazendo o caminho de volta. Olhou algumas vitrines,mostrando seu lado mais fútil.
 - Amanhã passo aqui para comprar esta sandália linda, disse calada, enxugando sua última lágrima.
4 de Abril de 2010.
(Mais um que vai lá pra Fortaleza!!!)

O Primeiro Beijo




             Os dois mais murmuravam que conversavam: havia pouco iniciara-se o namoro e ambos andavam tontos, era o amor. Amor com o que vem junto: ciúme.
            - Está bem, acredito que sou a sua primeira namorada. Fico feliz com isso. Mas me diga a verdade, só a verdade: você nunca beijou uma mulher antes de me beijar?
Ele foi simples:
- Sim, já beijei antes uma mulher.
- Quem era ela? Perguntou com dor.
Ele tentou contar toscamente, não sabia como dizer.
O ônibus da excursão subia lentamente a serra. Ele, um dos garotos nomeio da garotada em algazarra, deixava a brisa fresca bater-lhe no rosto e entrar-lhe pelos cabelos com dedos longos, finos e sem peso como os  de uma mãe. Ficar às vezes quieto, sem quase pensar era difícil no meio da balbúrdia dos companheiros.
E mesmo com sede começara: brincar com a turma, falar bem alto, mais alto que o barulho do motor, rir, gritar, pensar, sentir, puxa vida! Como deixava a garganta seca.
E nem sombra de água. O jeito era juntar saliva, e foi o que fez. Depois de reunida na boca ardente engoli-a lentamente, outra vez e mais outra. Era morna, porém, a saliva, e não tirava a sede. Uma sede enorme maior do que ele próprio, que lhe tomava agora o corpo todo.
A brisa fina, antes tão boa, agora ao sol do meio-dia tornara-se quente e árida e ao penetrar pelo nariz secava ainda mais a pouca saliva que pacientemente juntava.
E se fechasse as narinas e respirasse um pouco menos daquele vento do deserto? Tentou por instantes, mas logo sufocava. O jeito era mesmo esperar, esperar. Talvez minutos apenas, talvez horas, enquanto sua sede era de anos.
Não sabia como e por que, mas agora se sentia mais perto da água, pressentia-a mais próxima, e seus olhos saltavam para fora da janela procurando a estrada, penetrando entre os arbustos, espreitando, farejando.
O instinto animal dentro dele não errara: na curva inesperada da estrada, entre arbustos, estava... o chafariz de onde brotava num filete a água sonhada.
O ônibus parou, todos estavam com sede mas ele conseguiu ser o primeiro a chegar ao chafariz de pedra, antes de todos.
De olhos fechados entreabriu os lábios e colou-os ferozmente ao orifício de onde jorrava a água. O primeiro gole fresco desceu, escorrendo pelo peito até a barriga.
Era a vida voltando, e com esta encharcou todo o seu interior arenoso até se saciar. Agora podia abrir os olhos.
Abriu-os e viu bem junto de sua cara dois olhos de estátua fitando-o e viu que era  a estátua de uma mulher e era da boca de mulher que saía a água. Lembrou-se de que realmente ao primeiro gole sentira nos lábios um contato gélido, mais frio do que a água.
E soube então que havia colado sua boca na boca da estátua da mulher de pedra. A vida havia jorrado dessa boca, de ume boca par a outra.
Intuitivamente, confuso na sua inocência, sentia intrigado: mas não é de uma mulher que sai o líquido vivificador, o liquido germinador da vida... Olhou a estátua nua.
Ele a havia beijado.
Sofreu um tremor que não se via por fora e que se iniciou bem dentro dele e tomou-lhe o corpo todo estourando pelo rosto em brasa viva.
Deu um passo para trás ou para frente, nem sabia mais o que fazia. Perturbado, atônito, percebeu que uma parte de seu corpo, sempre antes relaxada, estava agora com uma tensão agressiva, e isso nunca lhe tinha acontecido.
Estava de pé, docemente agressivo, sozinho no meio dos outros, de coração batendo fundo, espaçado, sentindo o mundo se transformar. A vida era inteiramente nova, era outra, descoberta com sobressalto. Perplexo, num equilíbrio frágil.
Até, que, vinda da profundeza de seu ser, jorrou de uma fonte oculta nele a verdade. Que logo o encheu de susto e logo também de um orgulho antes jamais sentido: ele...
Ele se tornara homem.



Clarice Lispector, Felicidade Clandestina.