domingo, 28 de fevereiro de 2010

Poema meio bíblico

Eu que sou poeta
amigo das luzes foscas
da neblina
do arvoredo
sofro de amor doentio
fumo um cigarro
agarro-me à bebida
aquela que sofrida vim pedindo de bar em bar,
de caminho a caminho.

Vi ao longe uma luz,
não era um anjo,
estrelas não eram!
Não era socorro,
não era ao menos a solidão
que beira o cais
c'os navio de longe,
os marujos,os viajantes, os negros sobas.

Abri a janela do solário
a neblina cai fina
zune fino, trazendo fantasmas:
você não é jovem,
não é mais criança!
Quando chegara a ser menino,
fazia coisas de menino.
Agora que já não é mais menino,
faças o que é de adulto....
faças coisa de adulto!
Mas ainda me sobra o amor,
aquele que vem sorrateiro, sem eu esperar.
E daí que sou velho,
que discuto pertinências de adulto?

"Porque agora vemos como em  espelho?
obscuramente,
então veremos face a face?
Agora conheço em parte, 
ou então conhecerei como também sou conhecido?

Inda bem que agora  permanece a fé, a esperança e o Amor
 - estes três:
porém o maior deste é o
Amor!

(esse poema foi escrito pro Zé, este aí de baixo, de blusa xadrez em vermelho)!)

E agora, José Victor Oliva?


E agora, José?

A festa acabou,
 luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José ?
e agora, você ?

você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama protesta,
e agora, José ?


Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José ?


E agora, José ?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio - e agora ?


Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora ?


Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
você é duro, José !


Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, pra onde?

Carlos Drummond de Andrade