Rubem Alves diz que leva seus olhos para passear.... e eu, sempre que posso, saio para longas caminhadas para refazer meus pensamentos, fazer exercício, passear, pensar ou qualquer coisa assim. Hoje levei meus olhos para chorar...
Existe um ponto na minha cidade que eu elegi como um lugar estratégico. Ele é só meu. Todos temos nosso lugar de poder, segundo a Tradição Americana Nativa. Esse lugar de poder é basicamente um lugar pessoal de conexão com a Mãe Terra, Gaia, ou Pacha Mama. Cada centímetro dela é sagrado e qualquer espaço pode servir como centro de energização para alguém. Dentro dessa Tradição, acreditamos que a Terra é um Ser Vivo. Quando um ser humano se dirige a um Lugar de Poder, a atenção da Mãe Terra é direcionada para aquele ponto, e a energia começa a fluir mais fortemente naquela área, já que tanto nossos corpos quanto o dela estão carregados de eletromagnetismo. Cada vez que um ser humano procura conexão com a Terra, a Mãe Terra está presente, pronta a nutrir e oferecer consolo. Mas não é disso que quero falar agora. Quero falar sobre as lágrimas, sobre meu sofrimento e minha preocupação.
Ontem, na palestra, Leonardo Boff nos deu um ultimato. Se não mudarmos nosso padrão de comportamento, os próximos 30 anos serão de muita miséria, dor e destruição. O homem está aos poucos destruindo a Mãe Terra que há milênios nos serve de morada e fonte de alimento.
Seguia meu caminho, neste dia que terminava, com a Lua nascendo no horizonte. Fim de tarde melancólico, tons liláses, púrpuras se misturavam à neblina que começava a tomar conta das montanhas. Olhava a Lua muitas vezes pelo caminho e dentro de mim as certezas se confirmavam. Ela estará lá da mesma forma que a estou vendo hoje. Intacta. Bela. Inóspita. Nós não.
A Terra, na realidade, está se desfazendo aos pouquinhos daquilo que a perturba. Como uma febre que se instaura em nosso organismo para matar um vírus que se apossou de nosso organismo e nos deixa doentes...
Na minha andança, pensei na minha prima Mariza, que já se foi desta vida e continua em outra zelando por nós com seu sorriso. Lembrei de Drummond com seu verso "Preferiram os delicados, morrer"... voltei a ver o olhar da minha prima Mariza, de seu sorriso... A Terra anda como ela nos seus útlimos tempos de vida. Eu sabia que ela estava muito doente, mas seus olhos transbordavam vida e intensidade. Seu sorriso era claro e inebriante, como a Lua que vi hoje no céu do fim da tarde. Por que estou dizendo tudo isso? Estou tentando fazer uma metáfora entre a agonia escondida da Terra e a morte delicada da minha prima, a maneira que ela escondia de todos que ela estava no fim.
A Terra anda assim. Quando vejo as flores, a beleza da minha cidade e de sua natureza, as vitrines, as pessoas bonitas pelo caminho percebo que a Terra tenta esconder de nós que ela está doente também. E nós vamos suaves, pisando no chão que é dela, calçamos de cimento seus caminhos, construímos prédios em seu braços, em seus flancos... Retiramos seu sangue para nos saciarmos. Cortamos seus cabelos para nos sentirmos aquecidos e resgardados do tempo... E ela nos olha como a Lua triste que vi no céu hoje. Olha-nos com olhar de cão doente, dizendo "me tire disso, não quero morrer! Tenho tanto tempo pela frente".
No caminho de volta, naquele ponto de que lhes falei um pouco acima, cai num choro convulso, num choro doído, num choro melancólico. Vi dentro de um carro dois namorados... Pensei nas pessoas que passaram pela minha vida, nos homens que me fizeram bem, Maurício, Alencar... Pensei em quanto amor as pessoas ainda têm por viver... Neste instante lembrei novamente nas palavras de Leonardo... é preciso reinventar o amor, a afeição, é preciso voltar a cuidar daqueles que precisam, que se rompam as barreiras do preconceito, que não haja mais distinção entre raças, crenças ou culturas... O homem precisa amar o seu semelhante, os animais, as flores, a natureza como uma extensão de seu corpo porque todos nós somos unos, no sentido de que somos partes de um organismo vivo, que é a Mãe Terra.
Seu recado foi fluindo dentro de mim e do meu choro que se acalmava. Olhei mais uma vez a Lua entre as árvores da avenida. Percebi sua luz deixando-me ver o amarelo dos Ipês que começam a florescer meio indecisos pela ação do tempo. Nenhuma beleza conseguiu me fazer plena naquele momento. Segui triste para casa como se tivesse saído de um velório e perdido alguém precioso, como se tivesse abortado um filho tão esperado.
E escrevo agora minhas palavras para ninguém...
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