As Mangas
Por muitos anos,
Nas férias de dezembro,
Quando as nuvens pesadas encobriam as cidades e todos nossos sonhos
De sair pelas estradas e pelos campos,
Tu vinhas como um cavaleiro errante
Sentavas diante da janela antiga da casa da minha avó.
Eu era Rapunzel.
Ficava na janela e com um muxoxo
Dizia: - Menino bobo!
Fechava uma das folhas da janela e escondia meus olhares atrás da outra.
Pela janela eu via a mangueira da casa do vizinho.
Eram rosadas entre os amarelados do quase doce.
Depois olhava seus olhos negros brilhando na esperança de me ver.
Minha tia disse-me que meu Marco Aurélio apaixonara-se por mim vendo uma fotografia em branco e preto.
Tinha meu olhar meio vesgo olhando os de minha irmã.
Hilário.
Na outra eu estava melhor.
Meus cabelos lisos, a pele muito morena do olhar sorridente de sempre.
Às vezes nos ousávamos.
Eu descia a escada rústica, abria o portão antigo de ferro.
Sentava no degrau e ele se aproximava desinibido.
Os seus olhos, o sorriso muito branco na pele morena azeitonada de outras terras.
Seus gestos despachados contavam as travessuras de roubar manga, goiabas, caçar rolinha, pomba do ar pra comer.
Em encontros ainda mais ousados,
Viajávamos pelas colônias da cidade na companhia do padre,
Que um dia virou meu tio.
Muitas vezes rompemos a poeira das estradas de terra na rural vermelha e branca do Dr. José.
Outros meninos nos acompanhavam,
Os irmãos, os colegas.
Nos cercavam,
Eu e minhas irmãs.
Diziam que éramos sulistas,
De sotaque arrastado...
Por várias férias
O namoro assediava.
Eu me recordo das mangas verdes roubadas,
Daquelas outras que eu namorava da janela no quintal do vizinho.
E ele abaixo sentado com os irmãos e os amigos.
As mangas verdes que apertavam a boca de leve
Suavemente surtiam na saliva sabores inexplicáveis.
Sabores que escondiam o desejo de uma quase adolescente
Que descobria o amor e o desejo
Que muitos outros tocaram.
Não meu cavaleiro errante,
Meu Marco Aurélio.
As histórias memoráveis dos amores impossíveis
Recordam-se na proibição dos anos que se foram.
A Cleópatra, as jóias falsas do porta-jóias com tampa de tamareira e o viajante no camelo,
O rímel que minha tia delineava meus olhares,
E o espelho torneado da penteadeira.
E você sempre lá,
Sentado, os irmãos, os amigos
E o sabor proibido das mangas verdes roubadas.
12/12/2007